sábado, 31 de dezembro de 2011

Dois Mil e Doce

Ano novo, as pessoas ainda estão festejando por aí mas eu já voltei pra casa. Fui à praia, vi os fogos de artifício e tomei banho de mar.
Taças, flores e muita roupa branca; na ida eu só pensava nas coisas boas que passaram e ansiava ainda mais pelas que virão esse ano. E me senti só, e me senti forte.
Em meio à multidão alguns abraços, felicitações e a certeza de que a estranheza que antes me assustava por achar que tudo tinha mudado se transformou na absoluta conclusão de que tudo continua da mesma forma, eu é que mudei. E este ano será de mais mudanças ainda, psicológicas e emocionais - finalmente me descobri pronta. 
Não estourei champanhe (eu nem bebo), já perdi o hábito de comprar roupa nova, ligar para todos, de me autoanalisar só pela ocasião, de escrever descaradamente os planos para os próximos meses; no entanto, ainda alimento a doce ilusão humana de nós tornarmos pessoas melhores.
Para dois mil e doze refaço meus laços comigo mesma de ser sempre real, espontânea e sincera - mesmo me fodendo por isso - e estabeleço a continuação desse amadurecimento, o compromisso com meus propósitos e o velho trato com a verdade que nunca consigo selar cem por cento (diamante & botão em flor).
Preciso fazer e aprender tanta coisa... agora é um novo caminho que vou trilhar - cair, levantar, desviar, querer voltar, atalhar, mas me manterei firme na meta e darei passo-a-passo.
Por mim, por ele, por nós.
Here we go again!
Feliz novo ano.


'A verdade tem a dureza do diamante e a delicadeza do botão em flor.'
Gandhi




quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Ternura

O desenho estava ficando bonito mas passei látex em cima. Um esboço de quadriculado baunilha em outro canto e novamente os testes de tinta espalhados em todas as paredes. Realmente me denunciam.
Tenho dormido pouco, comido pouco e pensado demais.
Nos despedimos, nos bloqueamos e fugimos; mas o segredo é evitar o olho no olho.
Conversamos a primeira meia hora cautelosamente, analisando território... as perguntas de praxe, as investigativas e a rendição. Dispensamos "Saudades, queria te encontrar...", palavras não cabem se podemos nos ver, nos sentir, nos saber presentes. E sabemos perfeitamente o que se passa, sempre uma empatia extrema; como ele mesmo fala, são as "almas" que se conhecem, se complementam, se satisfazem, mesmo assim tão distante.
E eu que gosto de poesia recito em voz baixa as que mais gosto, as que queria dizer pra ele, as que memorizei por nós.
Imediatamente me vem a vontade de desenhar, pintar, rimar, de passearmos novamente beira-mar numa noite bonita e conversar com o olhar, conversar em silêncio e deixar as almas se saciarem.
E eu aqui... imaginando o amanhã, a bifurcação - o que penso ou o que sinto (?).
Mas não vai adiantar muito, podemos trabalhar o psicológico o tempo que for, os anos podem passar, os graffitis se apagarem e darmos a volta ao mundo, não importa, seremos sempre nós dois, como um só, contra todo o resto.


Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar
                                                                     [ extático da aurora.

Texto extraído da antologia "Vinicius de Moraes - Poesia completa e prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 259.

domingo, 16 de outubro de 2011

Free Style Crew

Mais de quatro horas da manhã e não consigo dormir, é hoje.
Nossa festa em comemoração será dia seis de novembro, mas o dia de nosso aniversário mesmo é dezesseis de Outubro - Free Style Crew, cinco anos. Não vou escrever texto falando da história nem nada assim, hoje eu só quero agradecer.
Agradeço a André, que me incentivou e apoiou desde o início, que pintou tantos fundos e ajudou em todos os sentidos, enfrentou muito sol e sempre acreditou que tudo ia dar certo.
Minha parceira Flor, que pariu a Fsc também, que me inspira até mesmo na ausência e nunca deixa morrer a esperança. Empatia enorme em duas pessoas tão diferentes.
Félix, amigo que admiro sobretudo pela resistência, tanto no pixo quanto no graff, pela originalidade e correria. Estava vendo agora quantas fotos temos de longa data, um velho fotolog que me deixou ainda mais feliz em tê-lo novamente conosco.
Twist, que instigava pintar até mesmo num dia de chuva às sete da noite e com meio litro de látex; e a Léo Punk, que me ensinou a enxergar a realidade de tudo isso que fazemos. Dias melhores virão, acredite.
Ao meu perigoso Hades, que me anima e faz sorrir quando quero explodir o mundo (nossa tattoo me faz lembrar que a amizade é mais forte sempre).
Deveria ter agradecido a Ivan em vida, mas só pude aprender a lição depois dele ter nos deixado. Que garoto louco... Mas ele estará sempre conosco, em cada conversa sobre graffiti e em cada lição aprendida.
Obrigada aos novos integrantes por encararem essa história com a gente, FB e Pok (Fim Do Mundo) e ao Kaillany que já entrou super dedicado (Foto\design).
Rudson Passos, nosso amigo e parceiro sempre (Fotografia e outras coisas!).
Pedro Ivo, que me impressiona sempre com o discurso sobre a arte urbana e me ensina bastante. E, claro, a Bia Rocha que me orgulha com os trabalhos cada vez mais.
Agradeço a Bones, Neom, Pardal, Maledito e todos que contribuem para que eu possa sempre rever os conceitos a respeito do que fazemos. É um longo processo...
Agradeço também aos grafiteiros de outras cidades que tanto me ensinaram em questão ideológica e técnica, não preciso listar porque eles sabem perfeitamente.
Agradeço a todos amigos pixadores que estão sempre juntos na correria (Loukos, Erros, BDL ou independentes) e honrando o preto fosco nas ruas da cidade.
Sou muitíssimo grata à minha mãe fantástica que chama os meninos pelo vulgo, sabe diferenciar os caps e agora respeita o que faço. Tia Lúcia é show, como dizem.
E agradeço por último a Jéssica N3 - mais que amiga - parceira nas caminhadas sobre os trilhos do trem, pra lá e pra cá... fazendo freestyle, sonhando e lutando por melhorias em nossas comunidades. Obrigada principalmente por essa semana, pelo brilho no olhar naquele momento em que percebi que nunca podemos desistir daquilo que realmente queremos. Demoramos pra entender mas finalmente aprendemos, o Hip Hop somos nós. Não o elemento que representamos ou a ideologia que enche nossas bocas, mas sim o real sentimento que tá no coração - de mudança, de amizade, família; é a correria por nossos semelhantes, nossos pais, filhos e por  nós mesmos.

...Bem, são cinco horas da manhã e talvez seja melhor eu tomar meu café e arrumar minhas tintas, ver esse nascer do sol para nosso dia - que promete muito graffiti, conversas e inspiração.
Vou aproveitar e acordar todos, ensandecida como sempre. Haha.
Parabéns para nós e que essa data se prolongue.. se prolongue, assim, infinitamente.


Grafiteiro é pior que cachorro vira-lata. (2006)
Graffiti é, antes de mais nada, paixão. (2011)
Doce Fsc

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Antes de mais nada, paixão.

 A dor hoje é maior - maior que a dos romances, das amizades e da família. A angústia é particular, tão minha que sempre neguei compartilhar, mas hoje tá foda, chega.
 A dor é graffiti.
 Pintar, definitivamente, é o que mais amo na vida. E eu nunca soube ao certo o porque disso, quando criança pintava sonhos, todas as coisas que eu queria ter; depois a raiva, os protestos e sempre mais revolta; então despertou a paixão, louca, desesperada, que não passa, não ameniza e maltrata como qualquer outra.
 E eu não tinha latas ou outro material, nem dinheiro, só a tara de riscar a brancura dos muros - como disse o Quintana; e isso bastava pra sair de casa na busca -  rua, paredes, tinta, ideias, vivências, intervenções. E eu não entendia ainda o que mais me motivava, se era o fato de ter meu nome riscado, se o incômodo aos transeuntes, o prazer aos amantes, eu não sabia, somente algum tempo depois percebi que era pessoal, minha satisfação de fazer, pintar, era isso! E fiz do graffiti meu refúgio, minhas horas no papel traçando letras, na parede quebrando a cabeça e procurando expressões... e tive a fase de só conseguir pintar feliz, depois de só pintar triste... e só então descobri a verdade que não canso de repetir, é minha libertação.
 É o que amo e o que dói, me perturba, inquieta, me faz acreditar sempre que todas as coisas podem melhorar. E luto por ver as mudanças na minha cidade, tão linda mas ainda tão ignorante em relação a tanta coisa... é muito difícil - parafraseando Raul Seixas, sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só.
 Hoje chorei muito ao achar mais uma vez que talvez não mude nunca, e senti a mesma decepção (inclusive comigo mesma) de alguns anos atrás, vendo projetos lindos, propostas incríveis e uma ótima perspectiva para arte urbana em Natal escorrer por entre nossos dedos, pela nossa falta de visão, responsabilidade e, principalmente, amor.
 É o que costumo dizer, que graffiti e arte urbana em geral é, antes de tudo, paixão. E sem paixão nada é excitante nem suficientemente bom para obter nossa dedicação.
Então vou adiante, batalhar mais ainda para ver acontecer o evento que agora planejamos, ver uma bela produção, mas, o mais importante do dia foi a intensificação da certeza desse algo tão simples e claro, de que o graffiti é intrínseco, não importa onde eu for ou o que eu faça, sempre estará em mim, me jogando nessas situações, me fazendo refletir sobre minhas atitudes, me guiando no inferno, me relaxando e estressando e, assim, me deixando cada vez mais apaixonada, porque é mais que pintura, é um estilo de vida.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Duas palavras

Ele não conhece Vinícius de Moraes nem ouve Chico Buarque, não pinta, não toca e não dança. Não compartilha de minhas revoltas sociais nem vivências anteriores. Ele não gosta de futebol - e qual o homem que não curte futebol meu deus?! Sim, o meu.
Somos diferentes, em tudo. Ele prefere isso e eu aquilo, só concordamos em preferir um ao outro, e basta.
Ele não me completa, me inspira! E tenho vontade de fazer (infinitamente) as coisas que mais gosto: pintar, ouvir música, ler, tocar algo, aprender tanto... de sonhar mais e me erguer para que aconteça.
Ele... que me põe à prova - e eu que sou puramente instintiva me contenho, me confundo com tantas vozes, me ponho na beirada do telhado e sinto que nada valerá a pena em troca. E então percebo o quanto o amo, tenho que admitir - não para minha meia dúzia de leitores, mas para mim mesma - que não adianta fugir, anular, descrer, é isso, é fato, e hoje me redimo.
Love U.


terça-feira, 23 de agosto de 2011

Hipóteses I

E se eu não quiser sorrir sempre?
E se eu não puder ser legal sempre?
Se não tiver disposta a pintar qualquer dia e qualquer hora?
Se eu não acompanhar as brincadeiras idiotas?
Se não fizer as piadinhas sacanas?
Se não achar graça de tudo?
Se não me conformar com nada?
E se eu não dançar a noite toda?
E se eu não quiser trocar Bessie Smith por Charlie Brown?
Nem Millôr por qualquer um de vocês?
Se eu não quiser comer feijão com arroz?
Nem partilhar meu chocolate?
Se eu quiser ficar sozinha num sábado a noite?
Se eu for ao cinema sem fazer convites?
Se eu não aceitar seus pés sujos no meu sofá?
Nem invasão na minha vida?
Se eu for feliz assim?
Se eu mudar?
Se eu não for tão doce sempre?
Seu eu não quiser contar segredos?
Se eu ficar triste e deixar vocês perceberem?
Se minha raiva pedir um tempo de tudo?
E se eu cansar de tudo isso aqui?!


Mais uma dose

O Carlos não me disse que também estaria no shopping, e lá fui eu ao cinema, perdi o filme que pretendia assistir e acabei vendo outro que me fez rir muito - adoro poder me divertir assim, sozinha e até mesmo com o filme errado.
Eu ainda não sabia que ele me esperava, me espreitava impaciente e silencioso, meu celular não tocou... não me deixou mensagens eletrônicas - ele nem usa internet.
Dei uma volta, tomei um sorvete, no fundo eu temia que ele estivesse lá, que eu não pudesse resistir.
Quando entrei para tomar um café ainda desconhecia sua astúcia, logo me vi sob olhares... e me chamavam, me tentavam, me perturbavam; mas eu sabia, afinal, estava ali por isso - esse desejo de sedução.
Troquei algumas palavras com um alemão que falava muito bem minha língua, então sentamos e discutimos teorias artísticas, papo que despertou meu interesse de início, mas em seguida eu vi que o que me atraía era mais forte que aquela meia dúzia de ideias enlatadas. Pedi licença e logo caí nas graças de um uruguaio, eu já o conhecia, mas precisávamos realmente conversar mais particular. Suas primeiras palavras logo me fizeram cair de amor, interesse e excitação; não o consegui largar - por mim o devorava ali mesmo, na frente de todo mundo.
Todos enciumados, esperavam sua vez da paixão, da tara, da curiosidade... aguardavam mais simpatia, mais visitas, mais convites para casa. Perdoem-me, mas essa noite já fiz minha escolha.
Porém, ele estava mesmo lá, me olhava de sua mesa, por trás do livro e dos óculos - como sempre. Então chegou até mim, tremi, fiquei nervosa, ridiculamente com olhos brilhantes e coração acelerado. Querido...
Estava lindo, com voz mansa e suave, no tom que mais me agrada e comove. Sentou-se conosco; vamos rever, repensar, vamos conversar sobre você, sobre mim, sobre nós todos nesse emaranhado de sentimentos.
Eu não podia deixá-lo ali, ele também não me deixaria sair...e se passaram não sei quantas horas.
Meu brasileiro, amante desde sempre, que me enche com todo amor do mundo em suas palavras; o uruguaio, a excitação de suas ideias revolucionárias e suas análises sobre nós.
Quando me vi dividida por aqueles homens fantásticos me senti realizada! Vamos lá queridos, vamos nós três... vamos para minha casa, vamos declamar as poesias mais belas e lutar pelas ideias mais insanas, vamos nos juntar aos outros, conversar, discutir, debater, beber vinho e virar a madrugada nessa orgia de compreensão linguística e filosófica, gozar e depois dormir, ou repetir. Vamos lá.


"...As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
 A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
(...)
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo."

Trecho de Poema de Sete Faces, Drummond.

http://www.skoob.com.br/estante/livros/todos/341014

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Para começo de conversa, amigos virtuais não valem.

Depois do texto sobre as redes sociais não consegui mais ser a mesma (às vezes mudamos sob um impacto, noutras apenas depois de longa reflexão), chego mesmo a pensar que aprendi mais nessas últimas duas semanas que desde o início do ano, porque, sem drama, meus amigos sumiram. E de pensar onde estavam, achei uma questão anterior: mas quem são?
E me vi com tudo destruído por aqui, precisando de ajuda física, moral e psicológica.
Mas o que cobrar de uma amizade?
Mil textos com receitas|perfis de "amigos", declarações e juras eternas; mas sabemos não ser assim, pessoas vem e vão (assim mesmo que tem que ser); existem os amigos que estão distantes e mesmo assim conseguem se fazer presentes, e também o contrário - aqueles que estão do lado como se não estivessem. Cresci ouvindo dizer que amigo se reconhece na doença e na desgraça, pois bem, não quero chegar tão longe para reconhecer os meus.
Sempre tive muitas pessoas ao redor, tenho uma grande facilidade de relacionamento e confundi muito convivência com amizade. Mas agora aprimoro esse meu conceito, não existe mais para mim esse super amigo - criatura sempre presente nas alegrias e tristezas, no sofá da sala e nas filas de cinema... talvez seja exigir demais.
Tive amigos realmente consideráveis, os quais pensei nunca me deixarem ou evaporarem, amigos que fiz o que pude para ajudar, manter, ter nesse tal de lado esquerdo, pessoas que tanto diziam me amar e querer bem e que hoje não estão mais comigo. E então?!
Daí vejo que realmente precisamos e podemos ser bem mais fortes, não lamentar, não esperar, não confiar tanto; é essencial seguir com quem estiver na estrada e não retroceder por quem optou outro rumo.
Essa é a novíssima sensação que provo agora, a desnecessariedade [sic] de um amparo a todo momento, do ombro para chorar, do ouvinte atento seguido pelo conselheiro implacável. Não falo de ser autossuficiente (ninguém o é), mas de saber selecionar melhor as ajudas a serem recebidas (note que nem toda mão estendida é para te erguer).
E não devemos cobrar absolutamente nada, amizade é que nem o amor - quem ama se preocupa, quer estar junto, quem ama ajuda e compartilha, aconselha e protege - espontaneamente.
A coisa importante não é nomear, classificar, nem saber quem estará conosco sempre, afinal é impossível - amanhã é terra que não se anda; o que importa mesmo é seguir sempre adiante, saber agarrar e deixar, guardar bons momentos e correr por dias melhores com quem nos ama e que está ao nosso lado (não importando onde).

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Arte Urbana

Stencil de Bia Rocha


Não ficará para sempre
como as telas barrocas,
como os afrescos renascentistas,
como as iluminuras medievais,
como as estátuas romanas,
os vasos gregos,
os túmulos egípcios e
as cavernas pré-históricas.
As paredes desbotam, as ruas apagam
apagam
apagam
e pedem renovo, tinta e sentimento.
É o agora, e ficará para sempre no suporte humano.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Faceorkutwitter.


Acordamos e ligamos o computador antes de tomar café, conversamos muito mais horas online que pessoalmente, o celular toca mais vezes do que realmente necessitamos e mesmo assim não conseguimos ficar fora de área nem sequer vinte minutos.
 E temos quatro chips, três TVs, dois pendrives e uma hora livre - sem falar, claro, nas centenas de amigos virtuais em inúmeras redes sociais onde expomos nosso dia-a-dia e nosso ego. Ninguém mais tira foto para recordar, e sim para rechear álbuns de orkut; já não se lê Platão ou Shakespeare, mas todos já tiverem citações publicadas - muitas que nem ao menos refletiram, mas se parecer genial estará lá! Dá-se diariamente "Bom dia amigos, boa noite meu povo..." enquanto nem falamos com o vizinho e ignoramos as pessoas que encontramos rotineiramente.
Estamos lá, orkuteando, facebookeando a vida alheia, postando nossas músicas prediletas, programas, filmes, comentando fotos, frases e fases e, acima de qualquer outra coisa, dando satisfação do que estamos fazendo - até para ir no banheiro é preciso alterar o "status". Tuitamos nossos cento e quarenta caracteres de acordo com nosso estado emocional ou simplesmente com o que estejamos fazendo (não importa a bobagem que seja), seguimos e somos seguidos por milhares de pessoas mesmo não tendo nem com quem ir ao cinema.
Construímos assim nossos relacionamentos, criamos um perfil, seguimos um padrão, chateamos o dia inteiro - e abre fecha janela, abrevia-enter-esc, nova janela. Tudo muito rápido - se exige velocidade mesmo - fazemos tantas coisas ao mesmo tempo que acabamos por não fazer nada realmente proveitoso, mas...eu comentei o que mesmo? e quem era aquele? Se essa rapidez em fazer|desfazer "amigos" e nossa própria imagem diante dos outros era um dos intuitos tecnológicos para nossa geração, ok, conseguido.
Li um livro no início do ano em que o primeiro capítulo era a reprodução fidedigna das páginas do Twitter, e conversando (presencialmente!) percebi como vou de um assunto à outro em questão de segundos e logo em seguida retorno à esse ou àquele - idêntico ao que faço no messenger - e penso novamente "minha geração".
Nós destruímos relações (alheias, inclusive) num delete. E as pessoas pensam menos, parece que quanto mais informações se tem ao dispor, menos raciocinam; basta uma digitada e o Google abate o bom e velho Aurélio (e vamos lá pesquisar o termo "enciclopédia"(!)).
Li as fábulas de Esopo aos dez anos de idade, conheci Manuel Bandeira, Drummond e Cecília Meireles (O Eco - primeira poesia que aprendi de cor) assistindo Castelo Rátimbum - alguém aí lembra? Doug Funnie, Chaves... bons tempos. Infelizmente, hoje as crianças querem ser supersaiadins ou algo parecido com Ben10. E de repente imagino meu filhos, frutos desse tempo, paridos por uma tecnologia ainda mais avançada, num tempo ainda mais curto. E me ponho a repensar nas vantagens dessa era high tech numa oscilação entre evolução e retrocesso.
Agora estou aprimorando meus conceitos, revendo minha realidade virtual, estipulando tempo online (no que dizem "social") e aproveitando bem melhor desse trigo no joio: aulas no youtube, debates, bons documentários, jornais diários; no desenvolvimento de meus interesses e na troca de experiências com outros. Por um minuto estive na ponta da prancha, me fez refletir e pensar no que eu estava fazendo - trocando minha realidade pessoal por uma necessidade inventada.
Nós, acostumados apenas a seguir a corrente, preferimos sempre não encarar nossas relações cara-a-cara porque tudo atrás da tela é mais fácil. Não é mesmo?! Mas na "vida real", como diz minha mãe, não tem emoticon substituindo olhares e expressões, muito menos "rsrsrs, hahahas ou kkkkks" enquanto nem se achou graça; porque você é você, e é amigo, é sincero, é medroso, é encantador, inteligente ou imbecil... é o que realmente for, não tem como fugir.
'Te amo' não é mensagem no celular nem depoimento clichê.
Amigo está na sala de sua casa, não do bate-papo.
Relacionamento é dia-a-dia, é pele, empatia.
E, definitivamente, meu sentimento não é status.

sábado, 6 de agosto de 2011

Verdade

Posso começar por aqui mesmo, o velho papel em branco que sempre me excitou tanto.
Eu realmente tinha (e tenho) o caderno de páginas coloridas, sempre tive o hábito de escrever (sabendo que era fuga). Eu costumava pensar bastante que apenas as páginas me entendiam, mas quem? Eu mesma, instrospectiva? E fazia como com as cores, pois, as palavras fluíam bem melhor estando eu no inferno - e eu sempre estava.
De vez em quando eu relia e revivia e ainda doía, parar de ler foi como perdoar (tirar as mãos da garganta do outro). Me achava muito velha para minha idade quando escrevia tudo aquilo, quando pensava e arquitetava; e uma criança quando via tudo desmoronar na hora em que as coisas realmente aconteciam.
Comecei a me enxergar de outro ângulo, as cores de fim de ano sempre revelavam uma garota meio racional meio devassa tentando explodir o mundo. Eram muitas anotações sobre os instintos (fortíssimos até hoje), sobre traições e planos, muitos planos. Inúmeros textos a respeito de meu conflito extremo com as definições de amor, nunca quis acreditar nem compreender, mas hoje vejo cada escrito como um manifesto sobre o vazio que sempre houve.
Minhas últimas páginas coloridas marcam a reviravolta maior até agora (O mal de todo romance é que se acaba sem romantismo) - o fim do relacionamento que me rendeu tanto material pra escrever. Muita reflexão, dias doente e mais reflexão. Depois mais algumas páginas sobre minhas frustradas tentativas de preenchimento... Anotações aqui e ali, aleatórias e indefinidas; muitos rascunhos de desenhos nas bordas sempre - fuga da fuga.
Hoje continua o mesmo, sempre quero escrever sobre as coisas boas que ocorrem, sobre o amor que tenho, as diversões...mas não. É o estresse, as dúvidas, ânsia, agonia, é apenas o acúmulo dessas coisas que me permite o retorno às originais - é isso.
Por isso hoje fico por aqui, nessa página de ofício amarelada de tão guardada, cansada de tanto tempo e pedindo mais que palavras.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Há Tempos

Coisas reviradas: roupas, latas, telas, muitos e muitos papéis, itens sem lugar e música tocando o dia todo.
Eu era um lobisomem juvenil - rapidamente várias lembranças de momentos e pessoas, a melodia me deixa tão nostálgica que procuro aquela carta... não encontro e busco incansavelmente algo que não sei. Revejo mensagens no celular, abro e fecho janelas, leio títulos e esquento um café pra me acompanhar com Tolstói.
 Por hoje vou esquecer essa bagunça aqui, todas as dores particulares e emprestadas; a saudade aumenta, muda o foco e me pede pra desligar o computador. 
Sim, vamos curtir de outra forma.


♫♭♪...Sou bicho do mato, mas se você quiser alguém pra ser só seu é só não esquecer: estarei aqui.


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Reforma

Até então meu teto nem estava quebrado, mas havia outras coisas para refazer no quarto: pintar paredes, redecorar, esvaziar prateleiras entupidas, separar o que realmente servia do acúmulo desnecessário.    
Precisava de uma porta, mudar as coisas de lugar e, principalmente, repensar o pouco espaço que tenho.
Fora o cansaço físico e a despesa financeira ainda tem o estresse da situação.


A hora da reforma é inevitável, ou renova-se ou vive-se no caos.
Eu tinha mesmo que alterar pequenos hábitos, como horários pra dormir|acordar, tempo que gasto com bobagem na internet, pautas do dia e até mesmo alimentação...mas é que o teto ainda estava perfeito! 
Precisa-se sempre de um pontapé inicial para revermos nosso edifício ou nosso puxadinho, nossa rotina - que acabamos levando de qualquer forma, sem dar a importância devida.
Chega dessa invasão (consentida) de privacidade, de ter que ouvir o barulho do mundo todo e fazê-lo ouvir os meus; basta dessa mesma parede colorida e escorrida, quero testar as novas cores que descobri esses dias; não preciso de tantas cartas passadas, de recortes e fotos - seleciono as recordações que quero ter.
Metade de minha vida no lixo e penso, ótimo! Precisava mesmo faxinar essa garota aqui. 
No final sempre vale a pena, a autoavaliação nos traz a sensação de alívio, de dever cumprido ou simplesmente o êxtase de um novo ambiente - juntamente com a empolgação para novos projetos e o gás do recomeço. 
Então mãos à obra! Sem dúvida você precisará de alguém para ajudar nos consertos e/ou renovações (direta ou indiretamente) - aquele amigo que impulsiona suas taras ou reprova suas atitudes, alguém que aponta sua parede rachada ou quebra algo, ou que arrebenta seu teto inteiro e te faz perceber a necessidade de mudança.

P.S.: Lembro imediatamente de uma citação de Shaw, lida alguns dias atrás
 O progresso é impossível sem mudança, aqueles que não conseguem mudar suas mentes, não conseguem mudar nada.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Mas que nada.

Jorge Ben no último volume numa tentativa de destravar o nó na garganta.
Meu horóscopo disse que o mês seria difícil, mas eu já pressentia (depois de tantos dias bons).
Após a tempestade vem a bonança - mas depois vem a fúria novamente, é o ciclo.
Mas esse é o melhor momento, é hora de testar nossa paciência, nossa capacidade de reverter a situação e fazer as coisas darem certo. Já tive a hora do pânico, claro, mas sei que chorar não vai adiantar muito, na verdade não vai adiantar nada - nem de alívio serve mais; então só resta raciocinar, a única solução possível é pensar em como mudar, transformar os contras em prós.
Firmar a meta, traçar o plano e começar.
Vamos lá.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Quase dezessete.

Mais um ano... devia estar desenhando para o graffiti de amanhã, mas resolvi escrever alguma coisa quando me toquei que é mais um ano de arte urbana, dessa coisa toda que minha mãe disse que era fase e espera que passe desde os doze ou treze anos...é, não passa - ao contrário, vai aumentando, fortificando, vai me deixando mais apaixonada e inquieta, mais revoltada e esperançosa.
Eu teria muita coisa pra falar sobre esses vinte e três anos, muitas lições de vida, muita vivência familiar, provação pessoal e amadurecimento psicoemocional (sempre em processo), mas agora é graffiti e, sem dúvida, ele é um resumo de todas as minhas etapas passadas e alicerce das futuras.
Um dia saí para pintar o viaduto, um balde de látex e uma ou duas latas, desenho esboçado, euforia, coragem, fome, suor, sol, amor, polícia, pessoas, denúncias, buzinas, amizade, fumaça, perguntas, parede, concentração, libertação. Ali percebi que seria eterno, entendi o porquê de tudo aquilo depois de tanto tempo inconsciente. Libertação, é isso. Uns bebem, outros fumam, eu pinto.
Ainda tenho muitas expectativas para a arte urbana aqui em Natal, adoro a calma da cidade, mas a detesto quando se torna o ritmo de tudo. Queria ver e fazer tanta coisa...mas vamos lá, novas cabeças e mãos surgem enquanto outras se entendiam por seguirem moda (os verdadeiros sempre permanecem, em tudo).
Quero agradecer a todos por mais um ano, mas a todos mesmo, os que estão envolvidos direta ou indiretamente em toda essa história: crews, graffiteiros, pixadores, artistas urbanos em geral, amigos e amantes das cores no cinza da cidade (seria impossível listar, mas quem é sabe).
Agora tenho mesmo que fazer o desenho, espero que amanhã o tempo melhore, assim como tudo por aqui.
Doce
Free Style Crew
Traços de Rua Crew
Danger Crew
Deixe Fluir...
http://www.flickr.com/photos/docefsc/

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Segunda

Sempre sento com calma, depois de ter pensado e repensado as coisas que andam acontecendo... nunca escrevo, fico com dor de cabeça de tanto analisar - ou escrevo e excluo achando não ter chegado ao que queria.
Estou numa fase de experimentação, de aprendizagem, de uma nova percepção do ambiente e de mim mesma. Guardei o medo das mudanças esse tempo todo, estava ficando em pânico, buscando motivos para alterar os planos enquanto me escondia da (minha) realidade.
Muitas dúvidas, muitos caminhos, desejos, recusas, calor e suor frio.
Me rendo.
Impossível eu não seguir os impulsos, impulso calculado existe?
E me vejo no espelho, dezesseis anos e a tara de conhecer o mundo, conquistas, sedução, sexo no sofá da sala.
E descubro que amor é mais que um sentimento, é um estado de espírito.

domingo, 10 de abril de 2011

Oito de Abril.



Pensei imediatamente nas páginas coloridas, nas originais. Nas cores que reservei para momentos como esse, em que me sinto em outra etapa. Escrevo em folhas verde-oliva, do tom que mais aprecio; ouço a chuva forte juntamente com B.B King  - o que me deixa ainda mais tranquila-convicta/eufórica-apaixonada.
 Ele se foi hoje, definitivamente; mesmo me preparando mentalmente para isso, tinha a certeza de que seria terrível, que lamentaria até o presente momento e choraria muito e ficaria louca... mas não.
 Ele se foi e fiquei tranquila, mesmo sem saber quando exatamente nos veremos novamente. 
Achei que seria como como se levassem uma parte de mim, mas só agora percebo como isso aqui é diferente do comum, do que vejo em outros relacionamentos - pois é como se ele ficasse, como se fosse uma parte que nada pode levar. 

quarta-feira, 30 de março de 2011

terça-feira, 15 de março de 2011

Rotina

Em casa é o eterno conflito com as paredes - reais, pessoais e do mundo inteiro. Onde penso em tudo, onde canso de pensar e grito, e canto e toco minha vida. Olho a parede colorida e escorrida, monto novos esquemas de cores e borro tudo, e torno a pintá-la todo dia, várias vezes na mesma hora. Entra e sai gente o tempo todo, abro e fecho o portão enquanto olho meu chaveiro - meu pequeno bulldog francês - e penso porque nessa casa não tem cachorro...
Nem tem pai. Não tem cama pra mim nem água quente no chuveiro.                                                                                                      
                                                                                                                                                    
O Deart é meu inferno particular, é onde tento levar minha burrice às suas extremas consequências mesmo.
Detesto aquelas paredes cor de nada, o orgulho de nada, o nada que se pode sentir.
Artes Visuais, Dança, Design e Teatro, tudo de mais genial sendo (ou tentando ser) produzido no menos genial possível.
E nesse departamento não tem tara, não tem paixão, não tem revolta e, assim sendo, não tem revolução.   
    
A rua é libertação. Ar poluído, visão poluída, audição, tato, paladar, não se pode escapar, tudo imundo, inclusive os pensamentos (e o pior, as ações também). Paralelepípedos, esgoto, bancos de praça, sol, chuva, caminhos que se cruzam, bom-dia perdido, balas encontradas, pessoas e vira-latas, imprevisão. Telas públicas que convidam nossa dor, nosso entusiasmo, a ânsia de quebrar nossa (sua) rotina de merda. Polícia cretina, políticos inúteis, transeuntes frustrados.
E na rua não tem seminário, não tem avaliação semestral, não tem edital. Não tem sofá nem muito tempo para pensar.

                                                                              


 Fortaleza (CE), Dezembro de 2010.

segunda-feira, 14 de março de 2011

14 de Março.

Não se mate -1934
Carlos Drummond de Andrade


Não se mate

Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguem sabe nem saberá.

quinta-feira, 10 de março de 2011

O Meu Amor.

As pessoas sempre riem quando digo que sinto o Chico Buarque "dentro de mim".
 Mas acaba sendo assim mesmo; ele se aproxima e beija suavemente -  enquanto recita no meu ouvido o que sente ou o que sinto. Me enlouquece.
Estava sozinha, deitada no velho sofá da sala e mastigando as mágoas de ontem quando ele chegou. Dessa vez fez diferente, ficou apenas me olhando e me disse coisas para me fazer chorar - veio me aliviar. 
Perguntou porque eu estava sozinha, porque sempre sozinha meu doce?! Disse-lhe que estava aprendendo a povoar minha solidão, para poder conseguir me isolar na multidão - e pensei: Baudelaire?!
 Depois ele preencheu todo o vazio com sua voz mansa e mão pesada, sua boca ávida e respiração quente.
Foi lindo, a pele arrepiada, trêmula, lambida, mordida e marcada.
Acabei cochilando e acordei sorrindo, tentando lembrar bem o que tinha acontecido- mas ele nunca deixa detalhes. 
Só a sua música tocando...e tocando.
Pensei novamente: Baudelaire? sim, sim  - e  uma vontade imensa de ir colher flores me surpreendeu! 
Bem, deixo um pouco dele aqui para quem se arriscar conferir



sábado, 5 de março de 2011

Mazela.

Tirei as latas da prateleira, aquelas cores que nunca usei. Repintei uma telinha trinta por trinta e consegui fazer alguma desordem no quarto. Stencils no chão, mancha de tinta branca no braço magro e Raul Seixas mandando: "faça, fuce, force''...e não fique na fossa, e não chore na porta, derrube essa porta...

Os meus fantasmas
São incríveis
Fantásticos, extraordinários
Se fantasiam de Al Capone
Nas noites que tenho medo
De gangsters
Abusam de minha
Tendência mística
Sempre que possível
Os meus fantasmas tornaram
Minha solidão em vício
E minha solução
Em Status Quo
Ai! Meu Deus do Cé
u! 

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Amanhã.

Domingo. Pensei em praia, em sol, em banho de mar.
Queria pintar, queria sair - ou ficar em casa mesmo, ou ir na vizinha, cantar, dançar, desenhar, ouvir música, navegar na internet, conversar ao telefone, comer uma pizza, passear com o cachorro, rever a família, pintar a unha novamente, escrever para o blog, ler os livros pela metade, cozinhar, arrumar as coisas, bagunçar as coisas, fazer ou gastar dinheiro, isso e aquilo.
Muitos desejos, muitas possibilidades.
E se chover? e se a internet falhar, se a amiga faltar?
Deixo todas as alternativas na mesa, amanhã acordo e vejo o que o dia me reserva.
Domingo é dia sem agenda.

Hoje.

Pintei as unhas de um amarelo terrível, comi mal e trabalhei muito.
Acordei transbordando amor, mandei uma mensagem no celular que não definia um por cento do que sentia. Sabia que o dia seria perfeito ou detestável, não se pode acordar assim e ser um dia comum.
Tive medo de tudo. Chorei ouvindo Chico Buarque, ouvindo Ray Charles, ouvindo o barulho do chuveiro. 
Muitas pessoas em casa, muitas conversas e risadas, muita reflexão e muita bobagem; acabo o dia com todas as cores de lápis jogadas no sofá e um violão desafinado.
Lembrar de não entregar as armas.

Ontem.

Eu gosto das coisas assim, reviradas.
Ontem, ao terminar de pintar uma tela, vi meu caos interno em cada tinta derramada, em cada coisa sem lugar definido. Alfinete, vidro, brinco, spray, blusa, óculos e ideias; lápis, água, lixo, recortes e recordações.
Parece que é só ali, respirando veneno e com unhas multicoloridas, que me sacio realmente.
A imagem pronta na tela é como o final feliz de um filme triste.