quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Ternura

O desenho estava ficando bonito mas passei látex em cima. Um esboço de quadriculado baunilha em outro canto e novamente os testes de tinta espalhados em todas as paredes. Realmente me denunciam.
Tenho dormido pouco, comido pouco e pensado demais.
Nos despedimos, nos bloqueamos e fugimos; mas o segredo é evitar o olho no olho.
Conversamos a primeira meia hora cautelosamente, analisando território... as perguntas de praxe, as investigativas e a rendição. Dispensamos "Saudades, queria te encontrar...", palavras não cabem se podemos nos ver, nos sentir, nos saber presentes. E sabemos perfeitamente o que se passa, sempre uma empatia extrema; como ele mesmo fala, são as "almas" que se conhecem, se complementam, se satisfazem, mesmo assim tão distante.
E eu que gosto de poesia recito em voz baixa as que mais gosto, as que queria dizer pra ele, as que memorizei por nós.
Imediatamente me vem a vontade de desenhar, pintar, rimar, de passearmos novamente beira-mar numa noite bonita e conversar com o olhar, conversar em silêncio e deixar as almas se saciarem.
E eu aqui... imaginando o amanhã, a bifurcação - o que penso ou o que sinto (?).
Mas não vai adiantar muito, podemos trabalhar o psicológico o tempo que for, os anos podem passar, os graffitis se apagarem e darmos a volta ao mundo, não importa, seremos sempre nós dois, como um só, contra todo o resto.


Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar
                                                                     [ extático da aurora.

Texto extraído da antologia "Vinicius de Moraes - Poesia completa e prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 259.

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