terça-feira, 4 de setembro de 2012

Segredo

A princípio, achei que o problema era com as cores (quase sempre são elas, as culpo por tudo), estão a todo instante me fascinando e conduzindo o que sinto. E eu via cores encantadoras no olhar dele, dessas que me prendem e inspiram. Tentei isolar os cinzas e marrons de sua íris e caí repentinamente nos rosados de seus lábios. Nada para se preocupar, afinal, são minhas velhas e boas cores, surpreendendo em novas combinações.
Depois ponderei a respeito dos sons, era também o tom da voz, sem dúvida; e essa é sempre uma mistura que pode ser fantástica - imagem e som. O barulho que produzimos - principalmente o dos risos - emaranhado com os ritmos selecionados e a busca da compreensão além das palavras, vai mais longe de onde pude imaginar. Uma batida pesada ou uma harmônica melodia, um gemido abafado ou um grito escancarado.
Sim, sim, criamos notas inéditas.
Agora é pele. E essa é, definitivamente, uma combinação um tanto perigosa - imagem, som e tato; olhos, ouvidos e corpo. Cores e ruídos que afloram ideias e sentidos, sentidos que afloram a pele e o desejo de saciar o insaciável.


Segredo 

A poesia é incomunicável
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Nao conte.

Suponha que um anjo de fogo 
varesse a face da terra 
e os homens sacrificados 
pedissem perdão.
Não peça.

'Carlos Drummond de Andrade


quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Fim de Tarde

A excitação era amplificada ao som de Red Hot Chili Peppers, eles não sabiam bem o que fazer, embora soubessem exatamente o que desejavam com todo corpo e alma. Sentados lado a lado na frente do computador, vendo imagens, procurando novas músicas e uma maneira menos perigosa de saciar todo aquele desejo. Ele pensava em mãos dadas num fim de tarde e numa noite fria vendo filmes clássicos. Ela em rasgar suas costas e morder todo seu corpo, ia criando e dissolvendo as imagens a cada segundo, numa sequência sufocante.
Fingiam muito bem estar concentrados na conversa, mas os olhos eram incapazes de disfarçar. Tomaram mais um copo d’água, mais uma volta na sala, ele checava os livros, revistas, procurava algo que não sabia o que... ela apenas observava.
Essa mania dela falar tocando suas mãos, sorrindo, perguntando qualquer coisa desinibidamente era realmente algo que o punha um novo tipo de medo e uma ansiedade nunca antes provada. Esse jeito misterioso dele, oscilando entre a timidez e a canalhice a deixava desnorteada de ideias e vontades.
Passam de Red Hot à Ray Charles, ela o convida para dançar, assim, sem plateia e sem pista, porque não? ‘Eu não sei bem’, resmunga indeciso... Ok. Vamos lá minha menina...
Somente corpo, contato, calor e respiração ofegante, alguns passos descompassados e iniciam-se as gargalhadas, ela prende a face dele entre as mãos e começa a fixá-lo; aos poucos os risos amenizam, o nervosismo chega e ela fala o quanto gosta de sua companhia, ele idem.
Voltam ao computador e ela questiona se ele está bem, ‘sim, muito bem, você não está?’
- Não, não, meu corpo precisa do seu urgentemente.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Millôr

Eu estava almoçando,  lendo A Bíblia do Caos como de costume, por mais que eu já tenha lido diversas vezes os 5.142 pensamentos, preceitos, máximas, raciocínios, considerações, ponderações, devaneios e tararááá... sempre encontro algo novo e brilhante, é meu guru, e nem nasci no Méier.
Achei um texto fantástico, pensei em escrever no facebook mas preferi guardar só pra mim, com a página aberta vi lá uma foto do cara sendo compartilhada, pensei "Pow, vão começar agora até com o Millôr!" Era uma de suas frases clássicas, seguida de RIP. Não! Imediatamente fui aos jornais e estava lá, confirmada a morte de meu preferido, de meu amor.
Amigos me mandam mensagem, me ligam, e eu pergunto furiosa: "porque não o Teló?" - ou o Sarney, como preferiria ele, sem dúvida.
Humorista, dramaturgo, desenhista, escritor, tradutor, gênio.
Nos encontramos a primeira vez eu tinha sete ou oito anos, Fábulas Fabulosas! Desde então nunca mais consegui deixá-lo. Hoje faço coleção de todos os outros livros, peças, desenhos, etc. - tanto na estante quanto em mim.
De Liberdade, Liberdade à Um Elefante no Caos, de Flávia, Cabeça, Tronco e Membros à O Homem do Princípio ao Fim, do Livro Vermelho aos Poemas e Hai-Kais e todos outros mais.
Millôr, o mais talentoso escritor brasileiro, aliás, o único brasileiro universal.

"Mudando de assunto e ficando no mesmo. Dei um mergulho assustador na geografia profunda do meu psíquico, e descobri em mim um ponto psicológico, um sentimento inteiramente inédito no ser humano. Não é medo, vaidade, ambição, angústia, nada disso. Por enquanto vou usá-lo em segredo e em silêncio. É bom me ler cada vez com mais cuidado. Qualquer vírgula mal colocada ou compreensão menos direta pode ser fatal."
(1987)

Confiram:
Site Oficial do Millôr Fernandes

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

I Got a Woman

A garota parecia amargurada, percebi rapidamente quando vi o brilho diferente no seu olhar. Eu já havia me perguntado várias vezes se ela não ficava triste como todos nós, nossos amigos em comum pensam o mesmo - ou ela é realmente maluca ou disfarça perfeitamente algum desastre interior.
Pois bem, hoje a encontrei numa dessas lojas femininas, provava óculos de sol, estava pateticamente comum - jeans, blusa, havaianas brancas e, o mais estranho, sem as habituais flores coloridas no cabelo. Me cumprimentou com um sorriso e divagou em menos de cinco minutos sobre música, crianças e formatos de rostos. Resolvemos tomar um suco, estava muito quente, sentamos e por um segundo pensei estar a ponto de vê-la chorar, mas não, mantinha-se firme e citava Drummond e Neruda constantemente.
Não resisti e perguntei se ela estava triste, para minha total surpresa ela disse que 'sim'.
Conversamos sobre "inspirações" e ela me pareceu de uma loucura encantadora, me explicava suas paixões através de suas revoltas e iras, eu tentava entender como ela podia ir de um assunto à outro tão rápido, fugir, colocar tantas coisas em xeque e mesmo assim me prender em meus próprios questionamentos.
Ela sempre me deixa numa confusão de ideias e na empolgação de novos projetos, se foi em menos tempo do que eu desejava e por isso liguei à noite. Após cinco chamadas não atendidas finalmente ouço sua voz, na verdade ouvi primeiro a de Ray Charles, imaginei todo o ambiente e rapidamente fiz o convite para sairmos, dançarmos, conversarmos mais...
Ela não podia, estava, segundo sua própria descrição, "mergulhada em dúvidas", e eu fiquei também sem sair de casa, sentei no sofá e comecei a lembrar dela com um sentimento agora diverso... Não consigo parar de pensar o que está escondido ali, tenho eu também minhas dúvidas e receio perguntar pois sei que obterei a verdade.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Untitled

Não tínhamos mais o que conversar e concordamos em desligar, não adianta ficar mastigando a tristeza nos dias em que não se pode maquiar com esperança.
E eu decidi não falar mais em saudade, ainda mais dessa aqui que vai modificando todos os meus sentimentos a cada dia. Tento acordar e me concentrar nas afazeres diários, manter uma rotina e ser menos impulsiva que o normal; mas meu natural é quebrar as regras estabelecidas, não pelo prazer de contrariar ou ser rebelde sem causa, mas por querer sempre moldar a situação à maneira onde eu me sinta melhor, e não é justo?
E agora preciso aguardar meses pra poder reencontrá-lo, pela terceira vez mais três meses de espera e todo o processo novamente. Talvez hoje não seja o melhor dia para escrever sobre isso, mas a moeda sempre tem dois lado e hoje caiu aqui.
Caiu exatamente nos muitos pensamentos, ideias, tentações, observações, reviravoltas e mudanças. O que eu não sentia agora sinto e o que sentia pouco agora se torna forte - bem e mal. E adoraria poder simplesmente mudar os planos, alterar tudo isso e vê-lo amanhã! Sim, sim, essa inconsequência juvenil que ainda me fascina completamente.
Ah a inconsequência...
E recordo um trecho fantástico do livro Memórias de Minhas Putas Tristes, de Gabriel García Márquez, busco de imediato em minha estante e sinto já poder dispensar minhas palavras.

"Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem de minha natureza.
Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso pra encobrir minha mesquinhez, me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do Zodíaco."


...

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O Êxtase de Santa Teresa

Conheci um garoto de dezenove anos, italiano, um pouco tímido e desconfio que artista (porque me pareceu também um tanto louco). Passei toda a noite do último Natal conversando com ele enquanto perdia o show ao qual tinha ido assistir; ficamos impressionados um com o outro, como se jamais tivéssemos encontrado pessoas que nos entendessem por também compartilhar de nossas maluquices.
Ele olhou para minha tatuagem e não fez cara de estranheza logo perguntando o que porra era aquilo - como fazem todos; ele falou de imediato: Basquiat!, o resto então foi fichinha.
Mas é claro que sei quem é De Chirico! Munch, Renoir, Turner, Delacroix, Van Eyck, Rembrandt, Duchamp, Dalí além da face caricata... E o riso mais verdadeiro se abriu. 
Descrições de obras, comparação de estilos, de história, lugares, livros, cada detalhe - minha paixão pela teatralidade de Caravaggio, seu fascínio pelo futurismo de Depero. E ele já foi em vários museus, galerias de arte, até mesmo no Louvre e, para me dar aquela pontada, na Capela Sistina. Estuda arte freneticamente, pinta todos os estilos, prova tudo, anseia por entrar na universidade logo e viver para sempre mergulhado no que ama. Belo. 
Revela sua admiração e desejo de  fazer arte urbana, nunca fez um graffiti mas entende mais que muito escritor antigo sobre a essência da coisa. Assim como compreende minha frustração pela universidade que provei, o ódio dos artistas de plástico e o eterno conflito com as cores.
Hoje, dia cinco de Janeiro, ele me chega pelo email, me deixa com saudade da conversa, da sensação boa de compreensão, de interesses comuns. Respondo com o verdadeiro anseio de reencontrá-lo e a certeza de não se fazer possível.
Mas talvez tenha bastado, era só pra eu sentir o sabor, saber que devem existir ainda muitas outras pessoas pelo mundo como ele, pra eu buscar. É reconfortante.